O assistente da presidência da Eletronuclear, engenheiro Leonam dos Santos Guimarães proferiu, na reunião do Conselho Diretor do dia 24 de maio, a palestra “A política nacional da indústria nuclear e as potencialidades do setor no Nordeste”.
Leonam é graduado em Ciências Navais pela Escola Naval, em 1980 e em Engenharia Naval e Oceânica pela Escola Politécnica da USP, em 86. Possui mestrado e doutorado em Engenharia Naval e Oceânica pela USP, mestrado em Engenharia Nuclear pelo Instituto Nuclear da Universidade de Paris e mestrado profissional em Ciências Navais pela Escola de Guerra Naval, em 96. Tem também doutorado em Engenharia Naval e Oceânica pela Escola Politécnica da USP. É assistente do diretor presidente da Eletronuclear.
– É importante manter o Clube de Engenharia informado, acompanhando e presente nas ações num setor que foi muito promissor na década de sessenta, depois teve uma recaída, e hoje renasce com um fundamento muito forte – disse.
O engenheiro destacou que o Brasil é o décimo gerador de energia elétrica no mundo, mas o nonagésimo consumidor per capita, muito abaixo da média mundial.
– Isso se reflete de forma direta no índice de desenvolvimento humano. No cenário mundial, o consumo de energia elétrica no Brasil (2.081KWh/hab.) aparece em situação inferior ao Chile e à Argentina. Há uma relação entre o IDH e o consumo de energia para os países médios. Os que não tem energia e os completamente supridos não observam essa relação. Se usarmos o mesmo parâmetro de Portugal, por exemplo, constatamos que o que está planejado para o Brasil não é despropositado. Para compor uma matriz elétrica até 2030 que acompanhe o ritmo da demanda por eletricidade será necessário usar todas as fontes disponíveis. Isto é: hídrica, eólica, biomassa, carvão mineral, urânio, petróleo, gás natural e a produção resultante do pré-sal. O país é hoje o 10º maior gerador de energia elétrica no mundo, sendo preponderante a hidroeletricidade e a energia renovável – afirmou.
Segundo o assistente da Eletronuclear, a reserva brasileira atual de urânio é de 309 mil toneladas, com apenas 30% do país prospectado – a sexta reserva do mundo.
– É estimado que haja mais 800 mil toneladas, com as quais o Brasil passará a ser a primeira ou segunda reserva do mundo. O combustível nuclear é produzido pela Indústrias Nucleares do Brasil – INB. O ciclo começa com a mineração/beneficiamento (yellow cake), passa pelo enriquecimento, pela conversão para dióxido de urânio em pó e, finalmente, para pastilhas que serão parte do elemento combustível.
ARMAZENAMENTO
Falando sobre complementação térmica, o engenheiro ressaltou que a falta de capacidade de armazenamento da hidroeletricidade (grandes alagamentos) tem levado os projetos de usinas hídricas a projetar pequenos reservatórios (Belo Monte) ou mesmo usinas sem reservatórios (Jirau).
– A geração de energia nuclear ocupa pequenos territórios e produz grandes quantidades de energia. Hoje, a segunda maior geração térmica do Sistema Interligado Nacional é a nuclear. O Plano Nacional de Energia 2030 prevê, além da construção da Usina Angra 3, mais uma central nuclear no Nordeste e outra no Sudeste, que comportem, cada uma, até seis plantas de 1100 MW. Isto é 6600 MW, o equivalente a meia usina de Itaipu. A seleção dos sítios já começou. É um investimento da ordem de R$ 9 bilhões, entre 7 e 8 anos.
Respondendo a perguntas dos conselheiros do Clube, Leonam Guimarães abordou temas como a possibilidade de uma usina nuclear na Amazônia, licenciamento ambiental, equipamentos de Angra 3, índice de nacionalização dos projetos da Eletronuclear, consumo de energia e impostos sobre o setor elétrico, entre outros.
Sobre a questão ambiental, o engenheiro afirmou que a origem “dessa reação desproporcional” em relação a novas usinas hidrelétricas nasceu com a usina de Balbina.
– A Usina de Balbina foi vendida como uma catástrofe ambiental, coisa que ela não é. É um projeto que, por uma série de fatores técnicos, acabou alagando mais do que se previa. E as pessoas repetem isso. Isso na época foi muito utilizado politicamente para desacreditar ou criticar o próprio governo que a criou. Foi um erro, poderia ter sido feito outro projeto, mas chamar de catástrofe é exagero. É tudo uma questão de quanto a sociedade brasileira pode arcar. Isso tudo tem um custo que nem sempre é visível. Se não fizermos essas usinas na Amazônia devido a essas gestões ambientais, pagaremos um custo. O custo futuro da decisão de preservar a floresta precisa ficar claro para todo mundo. Essa discussão ainda é muito pobre e emocional na sociedade brasileira. Tudo tem um custo presente e um custo futuro. Precisamos fazer um balanço e decidir o equilíbrio que desejamos.
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
O especialista também destacou que o discurso da eficiência energética é muito interessante em países de alto desenvolvimento humano, porque neles o crescimento da demanda é mínimo.
– Esse crescimento mínimo e a própria obsolescência do parque instalado pode ser compensado via medidas seguras de eficiência energética. Esta é a primeira prioridade desses países. No Brasil é importante, claro, mas não podem ser colocadas como primeira prioridade, porque as medidas de eficiência energética se aplicam principalmente ao consumo residencial. Aqui, por exemplo, é absurdo o uso de chuveiro elétrico. Só um programa sério de substituí-lo por aquecimento solar já é uma vantagem fantástica. Nos países de alto desenvolvimento humano é possível trabalhar só com eficiência energética e garantir um crescimento marginal da demanda. Já no Brasil existe carência de um bom sistema de transporte, como o metrô. Aí é que vai estar o grande aumento de consumo per capita no país. Não é no aumento do consumo residencial. Este é o desvio na discussão. Temo um pouco o discurso da eficiência energética, como panacéia, o que não se aplica em países de desenvolvimento humano médio, como é o caso do Brasil. Se aplica, sim, aos países de alto desenvolvimento humano. É mais uma vez o caso da transposição de uma meia verdade que se quer aplicar aqui – opinou.
O engenheiro destacou “o grande papel” que o Clube de Engenharia desempenhou no processo de retomada das obras de Angra 3.
– O Clube teve um papel extremamente atuante nessa decisão, que no final foi consolidada através de uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Sobre os equipamentos, surpreendentemente, os alemães faturavam a usina a quilo entregue, o que é uma coisa meio absurda. Isso não é muito importante se o empreendimento vai até o final, mas num empreendimento que parou, o que foi entregue primeiro? Obviamente as coisas mais pesadas. Para ganhar mais, é lógico! Temos armazenados os equipamentos mecânicos, onde não houve uma evolução tecnológica significativa: tubulação, bomba, trocador de calor e motores diesel, que não tem impacto significativo. Houve uma evolução na área de experimentação e controle, mas essa obviamente não foi entregue porque é muito leve. A preservação desses equipamentos garanto que é perfeita. Mas o gasto com sua conservação é muito grande, um desperdício. Os custos de paralisação de Angra 3 em 86 montam a quase 2 bilhões de reais, o que é um passivo contábil que ninguém sabe o que fazer com ele. Mas o que aconteceu nesse meio tempo? O Brasil parou 20 anos. Na época que foi feito o acordo o Brasil crescia à taxas chinesas e ninguém imaginava que de repente ia acabar tudo como acabou e o Brasil parou 20 anos. Então é fácil criticar e dizer que é megalomaníaco. Não é. É um planejamento racional. E ainda havia dois fatores que pesavam naquela época. O primeiro é que não se conhecia o potencial hidrelétrico brasileiro. Segundo, havia muita questão técnica quanto à viabilidade da transmissão de grandes blocos de energia a grandes distâncias. Problema que foi equacionado com Itaipu. Naquela época não havia experiência de engenharia nesse tipo de atividade. A tecnologia ainda estava sendo montada e por isso se apostou em oito usinas, que eram para atrair o governo alemão para efetivar o acordo. Mas só foram contratadas duas: Angra 1 e Angra 3 – afirmou.
ÍNDICE DE NACIONALIZAÇÃO
Leonam Guimarães disse ainda que o índice de nacionalização em custo de EPC (Engineering Procurement and Construction) no caso de Angra2 foi de 50,4% , considerado por ele como “bastante significativo”.
– O índice nacional projetado para Angra 3 é chegar a 54%. É pouco, mas o projeto é antigo e não dá pra fazer grandes modificações e nem tem tempo hábil para se implantar muita coisa. A meta que está sendo estabelecida para a usina nuclear do nordeste é chegar num índice de 70% de nacionalização de EPC (gastos em moeda nacional). É um índice baseado em custo. Não seria provável imaginar que iríamos projetar no Brasil um gerador de vapor para substituir os de Angra 1. Os componentes para fabricação desse equipamento são japoneses. Não dá para imaginar que podemos nacionalizar isso. Não tem nem escala. A Nuclep não tem engenharia de projeto. É engenharia de fábrica. Já foi um grande mérito ter feito aqui no Brasil. Já foi um grande salto. Essa meta de 70% de custo de EPC é bastante desafiante e não é fácil de alcançar. Se fizermos essa conta para vários outros empreendimentos que são feitos aqui no Brasil, desafio quem chegar a custos de 50% – disse.
O assessor também analisou a questão do desenvolvimento tecnológico no setor nuclear.
– Hoje me arrisco a dizer que são feitas dezenas de modificações nos projetos de Angra 1 e Angra 2. Temos capacidade para isso e estamos melhorando o desempenho e a capacitação das usinas. Tenho medo desse discurso do desenvolvimento tecnológico. Hoje o Brasil perdeu o trem de ser o pioneiro. Não dá para voltar atrás. A Coréia saiu atrás de nós e fez. Nós não fizemos. Não adianta chorar e querer voltar no passado e ser vendedor de usina nuclear. Eu tenho medo desse discurso. Ele é bonito, mas não é prático. O discurso do desenvolvimento tecnológico, em alguns casos, pode ser um grande bloqueio ao desenvolvimento possível. Se a gente conseguir 70% de nacionalização, ou seja, que 70% do investimento seja pago no país, gasto no país, acho que já é um ganho enorme. Independente se a tecnologia foi desenvolvida efetivamente no Brasil. É uma questão de valor agregado – destacou.
APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO
Respondendo a pergunta sobre a possibilidade de implantação de uma usina nuclear na Amazônia, o especialista analisou primeiro as condições de implantação do modelo hidrelétrico.
– O primeiro desafio é o uso do solo, o segundo é a própria topografia. Para conseguir reservatórios razoáveis na Amazônia é preciso alagar uma área muito grande. O futuro do aproveitamento hidrelétrico na região é a fio d’água. Talvez através de pequenas usinas hidrelétricas. Já querer gerar energia lá para segurar o resto do Brasil é problemático. Talvez fosse interessante ter uma central elétrica pra atender às necessidades de Manaus. O custo de Manaus para o resto do Brasil é muito alto por causa do consumo. Será que não justificaria ter uma usina lá para alimentar Manaus? – questionou.
Segundo o engenheiro, existem poucas regiões do litoral brasileiro onde se encontrem terrenos propícios à implantação de usinas nucleares.
– É possível encontrar no Maranhão, em Chuape, no sul do Espírito Santo, em Angra e no litoral de Santa Catarina. Todo o litoral nordestino é terreno sedimentar, e uma usina ali custaria uma fortuna. Tem o gasoduto Gasene, que corre todo o litoral. A usina tem que estar a 8 km de distância do gasoduto para evitar risco de explosão. O litoral sedimentar tem aqüífero por baixo que corre o litoral de Recife. Oitenta por cento dele são de áreas de proteção ambiental e o que sobra é mínimo. Estamos estudando o sudeste e o sul, mas vai ser difícil por causa dessa característica geológica do Brasil. Hoje não faz sentido fazer usina em rio com resfriamento em ciclo direto. O resfriamento deve ser em ciclo fechado, com torre de resfriamento, que tem impacto ambiental mínimo.
Leonam Guimarães também participou no Clube, no dia no dia 12 de maio, do lançamento do livro “Segurança de sítios nucleares”, organizado por ele, seguido de coquetel no Centro Cultural Clube de Engenharia.
Fonte: Sítio do Clube de Engenharia www.clubedeengenharia.org.br
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Política Nuclear em debate.
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